Pilão
em Apartamento.
José Luiz P. da Costa
Logo após a queda do depósito prévio - queda ansiosamente esperada por legiões de brasileiros - muita gente, ou incluirá em seus roteiros de viagem países africanos ou, seguramente, fará viagens específicas aos países da Costa Oeste, bem em frente ao Brasil. Sem o depósito prévio e com a utilização de preços especiais de passagens internacionais, a diferença entre um bilhete Porto Alegre/Lagos/Dacar ou, simplesmente, Porto/Dacar, não será muito maior do que uma passagem Porto Alegre/Manaus, via litoral. E, no caso da passagem de Porto Alegre até Lagos, via Dacar, há a possibilidade de interromper o roteiro nos seguintes países: Gâmbia (tornada famosa pelo livro de Alex Haley, "Negras Raízes"); Serra Leoa (quando os ingleses descobriram a máquina, começaram, de bonzinhos, a interceptar navios negreiros, "combatendo" o tráfico. A "carga" era atirada no território que chamavam Serra Leoa); Libéria (fundada por uma companhia norte-americana, que levava os escravos tornados livres nos Estados Unidos e que tinham posses e vontade de voltar para a África); Costa do Marfim (com uma moderna e trepidante capital, chamada pelos franceses de Rivieira Africana); Gana (com estreitíssimos laços históricos ligada ao Brasil) e, por fim, a Nigéria, o mais rico e populoso país africano, por africanos governado.
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Pois os brasileiros que lá chegarem, seguramente
movidos por interesses culturais e afetivos, terão, estou certo, uma visão
muito diferente da quase sempre impiedosa e desabonadora visão que, apressados
homens de negócios, via de regra desapontados com seu insucesso, procuram
transmitir. estes turistas, com objetivos claros e com propósitos definidos,
haverão de, se com mais de 40 anos, encontrar áureos momentos de emoção,
ao reviver, nas ruas de Acra, Abidjan, Dacar ou Lagos as mesmas coisas
que, na década de 40, eram comuns na Ilhota, na Rua Esperança e arredores,
no bairro Mont Serrat, mulheres carregando coisas incríveis na cabeça
(aqui, até pouco tempo, ainda carregava trouxas de roupas); levando o
filho nas costas; vendendo, vestidos africanos (ou bahianas), comidas
típicas, ou aqueles fabulosos pés-de-moleque e cocadas da infância porto-alegrense.
Um universo de descobertas espera a qualquer atento brasileiro, que se
disponha visitar lendárias terras de onde emergiu ponderável contingente
de nossa cultura e de nossas tradições. Um encontro com isto, portanto,
haverá de suportar eventuais desconfortos, naturalmente ainda existentes,
tanto lá, quanto aqui, basta perguntar para qualquer americano ou europeu.
Pois neste mundo de coisas interessantes, recordo-me de dois episódios,
que merecem registro: |
Por lei, do tempo colonial, em Gana não se podia construir
casa de madeira. Afinal, o cimento é importado. Pois, discutindo a implantação
de um conjunto de casas pré-fabricadas, mostrava-se o interlocutor preocupado
com o fato de ser, ainda, muito comum nas casas ganenses, a conviver com fogões
elétricos e congeladores, o velho fogareiro de brasas. Recordam dele? Entendiam,
os técnicos ganenses, que se o piso da cozinha não fosse de cimento, muitas
casas iriam incendiar, por causa das brasas e a idéia de casas de madeira, haveria
de ruir para sempre. O outro registro se refere à visita que fiz, num conjunto
tipo desses blocos de edifícios populares do BNH, ao professor Diopp, da Universidade
de Abidjan. O professor mora no terceiro andar de um dos blocos e recebeu-me
para um almoço típico. Enquanto conversávamos e bebíamos um aperitivo, um ruído
surdo e ritmado dificultava a minha concentração, muito essencial porque falava-se
em Francês. Perguntei-lhe, após certo tempo, do que se tratava aquele surdo
e sincopado ruído. Acostumado a ele, teve de fazer certa reflexão até, com desagrado,
me informar: o edifício, todo o dia, vira uma caixa de ressonância, dessas mulheres
preparando comida com pilão! É, o antigo pilão saiu do terreiro, adentrou os
edifícios e convive com todas as modernices das cozinhas, absolutamente intocado,
porque insubstituível para a realização de toda uma série de alimentos nativos.